Roberto Salvo.
O pensamento, esse ato etéreo e muitas vezes esquivo, parece ser para Platão a chave para acessar uma dimensão além do mundo sensível, onde o Belo, o Bem e o Verdadeiro se revelam em sua forma pura e imutável. Talvez Platão tenha sido o primeiro a perceber que pensar não é apenas uma atividade de ruminar sobre o que se vê ou se ouve, mas um movimento ascendente da alma, uma jornada de desvelamento, onde, aos poucos, a mente se liberta da cegueira das aparências e alcança a luz da compreensão profunda.
Quando pensamos, não estamos apenas reagindo aos estímulos externos, mas buscando algo além, algo que transcende o que nos é dado pelos sentidos. O filósofo grego propôs a dialética como o meio para essa transcendência, uma técnica de argumentação que não é apenas troca de palavras, mas um esforço contínuo de construção e desconstrução, de questionamento e síntese. Pensar, para Platão, não é simplesmente elaborar raciocínios, mas participar de um processo de purificação da alma, que se desvia das sombras da caverna para vislumbrar, se não a totalidade, ao menos uma fração da verdade.
Esse processo dialético, longe de ser um simples jogo de lógica, é uma arte sutil de descer ao silêncio da introspecção e da contemplação crítica. É no silêncio que se encontra o espaço para a verdadeira reflexão, aquele que permite que a mente ultrapasse as limitações do imediato e toque, ainda que fugazmente, o invisível, o inefável. O silêncio é o campo fértil onde a alma pode semear as sementes da sabedoria. Nessa quietude, o pensamento se torna mais que uma operação intelectual; ele se transforma em um movimento de elevação, uma ascensão gradual em direção ao mundo das Ideias.
No entanto, a dialética não é um caminho linear. Ao contrário, ela é marcada por um constante jogo de construção e desconstrução. Para entender o Bem, é preciso primeiro desconstruir as ideias preconcebidas sobre ele; para alcançar o Belo, é necessário antes desmistificar as aparências sensíveis que o encobrem. O pensamento dialético se dá entre essas duas forças: o movimento de erigir e de derrubar, de aceitar e de questionar, de construir uma imagem para depois destruí-la, a fim de que algo mais autêntico e profundo surja no lugar da ilusão.
A filosofia platônica, portanto, não é apenas uma busca por respostas, mas um convite ao questionamento incessante. O filósofo é aquele que se dedica a ver além da superfície, a captar as contradições e as tensões que habitam o mundo da experiência humana. Pensar, assim, se torna um movimento complexo e multifacetado, onde se busca, com humildade e persistência, uma visão que nunca é total, mas que, em sua incompletude, é mais rica e mais verdadeira do que qualquer certeza absoluta.
No fundo, a arte de pensar, como Platão sugeria, é a arte de não se contentar com o que é dado, mas de buscar incansavelmente, através da dialética, um sentido mais profundo, mais refinado. É a arte de reconhecer que, por mais que o pensamento nos conduza a certas verdades, estas não são nunca definitivas. O belo, o bom e o verdadeiro estão sempre além, e o pensamento, esse nobre exercício da alma, é um caminho interminável de ascensão e de revelação, onde, cada vez que pensamos, nos aproximamos mais daquilo que não podemos ver com os olhos, mas que podemos tocar com a mente e com o coração.
É, talvez, essa a grande lição da filosofia platônica: que o pensamento não é uma ferramenta de controle, mas um processo de liberação. Libertar-se das ilusões do mundo sensível, para encontrar aquilo que, apesar de invisível, sustenta tudo o que é.
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